Magistrado diz que decisões dos Tribunais Regionais devem ser abraçadas pelo TST e configuração da atividade tende a ficar mais objetiva
Mais do que comum, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) modifica decisões de juízes de primeiro grau dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) em todo o Brasil sobre configuração de grupos econômicos. A estratégia de identificar empresários ligados a várias empresas distintas para ajuizar todas em função do pagamento de dívidas trabalhistas garante mais segurança ao trabalhador, como explica o advogado trabalhista Renaldo Limiro. A petição de grupo econômico é ainda mais comum em processos de recuperação judicial a fim de evitar que uma empresa em falência saia à francesa sem pagar os passivos devidos de várias naturezas – impostos, créditos trabalhistas, empréstimos bancários e fornecedores.
A Reforma Trabalhista trouxe um conceito mais amplo sobre grupo econômico e dará mais objetividade às decisões judiciais do que interpretações individuais, bem como poderá melhor preservar direitos trabalhistas. O ex-ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, Pedro Paulo Manus, publicou artigo em site jurídico especializado sobre a mudança. “Isso significa que o legislador deixou de adotar o conceito de grupo econômico vertical, ou por subordinação, passando a adotar o conceito de grupo econômico por coordenação ou horizontal, o que dá mais abrangência em relação à sua conceituação.”
O juiz do TRT de Itumbiara (GO), Rodrigo Dias da Fonseca, que ministra palestras sobre o tema, afirma que a mudança é favorável aos trabalhadores e sedimenta a disputa jurídica entre o TST e os TRTs. “Antes da Reforma Trabalhista, o TST entendia por grupo econômico as relações das empresas com uma empresa líder, uma subordinada às outras, e não apenas a relação societária. Então a reforma veio para sedimentar esse entendimento de grupo econômico na forma horizontal”, explica o magistrado.
“E a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, há tempos, não obstante a redação expressa do transcrito artigo 2º, parágafo 2º, da Consolidação [das Leis Trabalhistas (CLT)], inclinou-se por adotar o conceito de grupo econômico da lei do trabalho rural, ainda que para solucionar questões do trabalho urbano, por ser mais abrangente e destinar mais proteção aos empregados”, escreveu Manus ao explicar que o TST utiliza o conceito de grupo econômico rural há décadas.
Ainda em janeiro, ministros da quarta turma do Tribunal Superior do Trabalho excluíram uma empresa de uma petição de grupo econômico já sentenciada pelo TRT de Araguaína, no Tocantins. Um motorista do grupo Transbrasiliana solicitou que o grupo empresarial ligado ao empresário goiano Odilon Walter dos Santos pagasse as dívidas trabalhistas devidas ao empregado.
No processo ajuizado em Araguaína, inicialmente o juiz Erasmo Messias de Moura condenou a sorveteria Creme Mel, em outubro de 2016, para responder solidariamente com as empresas do grupo Transbrasiliana em crise econômica e recuperação judicial em Goiânia.
A defesa da Creme Mel conseguiu comprovar ao TST que não estavam presentes as características de formação de grupo econômico e a decisão do recurso foi julgada em 15 de janeiro de 2019 pelos ministros. A reclamação trabalhista foi ajuizada contra a Transbrasiliana Transportes e Turismo Ltda., empregadora do motorista, e mais dez empresas de um grupo formado em sua maioria por empresas de transporte e, segundo o motorista, também pela sorveteria.
O juiz Erasmo Messias de Moura entendeu que as empresas formavam grupo econômico e as condenou ao pagamento das parcelas devidas ao motorista, com o entendimento de que os sócios faziam parte da mesma família. “Existe, sem dúvida, a formação de grupo econômico horizontal por coordenação, pois as empresas atuam, sim, em unicidade de objetivos e reunião de interesses dos membros das famílias que as compõem, mesmo em ramos de atividade distintos”, sublinhou o magistrado. A condenação foi mantida pelos desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região.
No recurso da Creme Mel, a empresa argumentou que não ficou comprovada substancialmente a ligação entre as empresas sob controle, administração e direção de uma sobre as outras. A defesa sustentou, ainda, que não podia ser condenado pelo fato de as empresas possuírem sócios em comum ou por pertencerem à mesma família.
A divergência de entendimento entre as decisões dos TRTs e o TST existe antes da criação da Lei de Recuperação Judicial e Falência em 2005 e até a antiga lei de concordata, segundo Limiro. “Essa relação entre empregado, empregador e grupos econômicos vem desde a época da Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943. A maioria das decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho é alterada pelos ministros do Tribunal Superior do Trabalho”, comenta o advogado.
O caso Creme Mel reflete exatamente este distanciamento do pensamento entre os Tribunais Regionais e o TST. O relator do recurso, ministro Caputo Bastos, observou que apenas a existência de sócios em comum e de relação de coordenação entre as empresas não constitui entendimento suficiente para a caracterização do grupo econômico. Segundo Caputo, o TRT contrariou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria, que exige a existência de controle e fiscalização de uma empresa líder para a configuração do grupo econômico. A quarta turma afastou a ideia de grupo econômico e julgou improcedentes os pedidos feitos na petição inicial em relação à sorveteria. A decisão foi unânime entre os ministros.
Grupo Odilon Santos é condenado a pagar dívidas da falida Viação Anapolina
Duas empresas controladas pelo empresário, a Odilon Santos Administração Compartilhada e a Polipeças Distribuidora Automotiva, foram condenadas em outubro de 2018 pelo TST a participarem do pagamento de dívidas da Viação Anapolina (Vian), que encontra-se falida por decisão judicial de fevereiro passado.
O grupo de Odilon pediu ao TST para retirar as duas empresas de uma decisão do TRT-GO que as configurou como grupo econômico após o processo de falência da Vian e deixou passivos trabalhistas e tributários a pagar. Mas a oitava turma de ministros do TST negou o pedido do empresário e manteve a decisão do TRT goiano.
A oitava turma do TST considerou os argumentos do TRT válidos e deu prosseguimento ao processo de pagamento pelas condenadas. Ainda cabe recurso ao grupo do empresário.
A decisão do TST reconheceu que a figura do empresário é parte integrante destas empresas que forma um “vultuoso” grupo econômico. “O Tribunal Regional adotou os fundamentos utilizados nos autos do ROPS-001 1196-31.2016.5.18.0017, segundo os quais registram que ‘resta evidente que toda a direção do grupo é controlada e dirigida pelo sr. Odilon Walter dos Santos. As provas que emergem dos autos são evidentes, robustas e indiscutíveis, já que, de por todos os ângulos que se analise a questão debatida, seja na internet, nas consultas aos convênios Infojud/Infoseg, na análise dos contratos sociais, nas constatações nas instalações físicas da executadas (mandado cumprido na Rodoviária de Goiânia – RT 11228/2013), percebe-se que o sr. Odilon Walter dos Santos sempre é parte integrante destas empresas, que formam esse notório e vultuoso grupo econômico, por ele dirigido e controlado”, conforme a decisão da oitava turma.
Os ministros entenderam que, ao final, “a verticalidade está presente na relação entre as recorrentes, que tem como líder a empresa Odilon Santos Administração Compartilhada”, sobre a necessidade de encontrar uma empresa líder em relação as demais do grupo.
Argumentação do TRT de Tocantins no caso Creme Mel
Para o juiz do Trabalho Erasmo Messias de Moura, de Tocantins, o pedido inicial do ex-motorista da Transbrasiliana Transportes e Turismo preencheu os requisitos dos artigos 840 da CLT e 319 do Código de Processo Civil para enquadrar as famílias Santos e Braga nos prejuízos deixados pela recuperação judicial de suas empresas.
Ao decidir manter a sorveteria como pagadora solidária das dívidas da Transbrasiliana, o juiz escreveu a seguinte decisão: “É público e notório que as empresas Transbrasiliana formam grupo econômico. Tanto assim que requereram conjuntamente, mais a Rápido Marajó, a recuperação judicial exatamente por formarem grupo empresarial”.
Segundo Erasmo Messias, as empresas do grupo Odilon possuem a mesma denominação social, diferenciando apenas o final do CNPJ, o que indica serem matriz e filiais. “Logo, todas as empresas atraem a responsabilidade solidária de que trata a Consolidação. De igual modo, as reclamadas Odilon Santos Aadministração Compartilhada Ltda (7ª), Viação Goiânia Ltda (10ª), Viação Araguarina Ltda (11ª) , Rápido Araguaia Ltda (12ª) e Araguarina Agro Pastoril Llda (14ª), formam o grupo econômico Odilon Santos, como afirmaram no pedido de recuperação judicial, que foi deferido (ID 70b3151). A denominação social da 8ª reclamada, Odilon Santos Incorporação Imobiliária Ltda (que não consta em recuperação judicial), indica que ela pertence também ao grupo Odilon Santos. E a quem pertencem as empresas Transbrasiliana há décadas? Exatamente ao grupo Odilon Santos, tendo à frente os Srs. Odilon Walter dos Santos e Lázaro Moreira Braga.”
A sorveteria Creme Mel justificou nos autos que “desde a data de 24/11/2014, o Senhor Odilon Walter dos Santos não faz mais parte do quadro societário desta reclamada”. E acrescentou: “Excelência, em meados de 2013, a empresa Meier Participações Ltda, que é a representante do Fundo de Private Equity H.I.G., passou a fazer parte de seu quadro societário. Em outras palavras, há quase três anos, a Empresa Reclamada teve parte do seu capital social vendido e, desde então, possui uma gestão profissional. Em outras palavras, desde 24/11/2014, o Senhor Odilon Walter dos Santos não possui qualquer participação do quadro societário desta Reclamada, razão pela qual não pode esta ser responsabilizada por débitos devidos a sociedade de seu ex-sócio”.
Erasmo Messias continua o julgamento e acusa as famílias Santos e Braga de tentar blindar o patrimônio pessoal em detrimento de pagar seus credores. “A assertiva corrobora a tese exordial de que as empresas ora apontadas como litisconsortes se interligam, pois, em regra, uma sociedade empresária detém participação de outra ou possuem sócios em comum ou ainda administradores comuns, formando uma verdadeira ‘teia’, objetivando blindagem patrimonial.”
TST entende que existência de sócios em comum não comprova configuração de grupo econômico
As turmas de magistrados do TST entendem que o simples fato de haver sócios em comum não implica, por si só, o reconhecimento de grupo econômico. Outra decisão de fevereiro de 2018, da quarta turma, a mesma que julgou o caso Creme Mel, afastou a condenação solidária de um grupo imobiliário por dívida trabalhista de uma corretora de imóveis de Campinas, em São Paulo.
Um corretor de imóveis entrou com uma ação no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas para solicitar pagamento de férias, FGTS e outros direitos. O TRT-15 aceitou os argumentos do corretor e ainda condenou outra imobiliária na petição de grupo econômico para ajudar nas despesas. De acordo com a sentença do juiz, ficou evidenciada a presença de grupo econômico na comprovação de sócios em comum e contrato social similar. A imobiliária condenada recorreu ao TST e conseguiu derrubar a decisão do juiz de primeira instância.
“É necessária a presença de relação hierárquica entre elas, de efetivo controle de uma empresa sobre a outra. O simples fato de haver sócios em comum não implica por si só o reconhecimento do grupo econômico”, concluiu a ministra Maria de Assis Calsing citando decisão anterior da Subseção I Especializada Dissídios Individuais (SDI) de 2014. A subseção é o órgão revisor das decisões das turmas para unificar a jurisprudência.
A seção do TST especializada em dissídios coletivos é composta por nove ministros e são necessários pelo menos cinco magistrados para o julgamento de dissídios coletivos de natureza econômica e jurídica, recursos contra decisões dos TRTs em dissídios coletivos, embargos infringentes e agravos de instrumento, além de revisão de suas próprias sentenças e homologação das conciliações feitas nos dissídios coletivos, conforme consta atribuição publicada no site do Tribunal.
“Às vezes, existem alguns sócios que são sócios de duas ou três empresas, mas isso por si só não caracteriza. Mas desde que uma empresa tenha parte em outra sociedade ou qualquer percentual nas suas cotas sociais é possível configurar o grupo econômico, principalmente na legislação trabalhista, para efeitos de responsabilização financeira”, observa o advogado Renaldo Limiro.
Ainda segundo Limiro, “os juízes de primeiro grau configuram grupo econômico em tudo, mas essas decisões não subsistem”. “Os TRTs normalmente acatam as decisões dos juízes em decorrência da exposição da sentença. No ponto de vista deles, os princípios de configuração de grupo econômico se aplicam em prol do empregado.”
Continua o advogado: “Mas quando chega ao TST, onde teoricamente são pessoas mais experientes, o entendimento não é conforme o dos TRTs e, lógico, o TST é hierarquia superior ao TRT, e acabam julgando cada caso individualmente”. “O entendimento do TST é diferente do que julgaram os Tribunais Regionais e por ser órgão superior, podem modificar as decisões, como acontece no Superior Tribunal de Justiça e Superior Tribunal Federal.”
Em outra decisão, de novembro de 2017, a quinta turma de ministros do TST negou um pedido de grupo econômico de um piloto de avião que tentava receber dívidas de uma empresa aérea.
Mais uma vez, os ministros entenderam que “é necessário comprovar a existência de uma relação de hierarquia entre as empresas, a fim de se configurar o grupo econômico e, consequentemente, atrair a condenação solidária”, como sentenciou o ministro Douglas Alencar Rodrigues.
O caso foi peticionado no TRT da 1ª Região no Rio de Janeiro (TRT-1), que à época concluiu a favor da existência de grupo econômico e pela responsabilização solidária entre as duas empresas. A decisão fundamentou-se na premissa de que bastava a existência de relação de coordenação entre os negócios, ainda que sem predominância ou hierarquia.
O que a Reforma Trabalhista alterou
O texto sancionado pelo então presidente da República Michel Temer, em 2017, alterou os incisos 2º e 3º do segundo artigo da CLT. A nova redação tomou a seguinte forma: “Art 2º… § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas integrantes”.
O artigo antigo assegurava que “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.
O que é e para que serve a configuração de grupos econômicos
O advogado especialista em Recuperação Judicial e Falência, José Tadeu de Chiara, opinou sobre o conceito de grupos econômicos em artigo publicado na revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico em 2015. “De forma ampla, grupos econômicos consistem em conjuntos de empresas que, apesar de independentes, guardam ampla interligação e interdependência entre si, sendo dirigidas por um único centro de comando. No direito brasileiro, não há um conceito único de grupo econômico, que recebe diferentes tratamentos a depender da legislação aplicável ao caso concreto.”
Renaldo Limiro complementa que o objetivo é para trazer a responsabilidade solidária sobre o processo de recuperação judicial, caso a empresa em recuperação não tenha condições de arcar com suas dívidas. Então se configura grupo econômico para dar garantias aos credores de modo geral.
“A regulamentação legal do grupo econômico no Direito do Trabalho teve a intenção de proteger o trabalhador com relação ao recebimento de seus haveres, tanto de seu empregador direto, quanto das demais empresas integrantes do grupo econômico, tido por empregador único”, explica Pedro Paulo Manus.